domingo, 16 de abril de 2017

Objetividade e ciência

Sendo jornalista me interesso pelo tema objetividade. No caso do post de hoje, estará relacionado à ciência.
Sobre o fazer científico: no jornalismo o tema pode ser utilizado em matérias de cunho científico, e até mesmo o jornalismo é uma disciplina científica. Portanto, academia e ciência​ estão ligadas​ a questões comunicacionais.
 [...]A racionalidade tomada, então, à luz do ideal da objetividade desemboca na noção de lei do objeto, que, por estar referia ao objeto morto, permite cálculo, previsão, manipulação. A racionalidade abstrata das leis tem um papel bastante preciso: permitir o controle e a instrumentalidade de todo o real. O objeto completamente determinado, isto é, a objetividade, é o objeto completamente dominável, tanto no nível do saber quanto no nível da ação.  [...]Na base da oposição ideologia-ciência (entendida como oposição entre lacunar e pleno, não-objetivo e objetivo), encontra-se certa noção de objetividade que se acha presente tanto na ideologia quanto na ciência, de tal modo que criticar a primeira pela segunda em nome da objetividade gera um engano infindável. Em outras palavras, uma das possibilidades para a elaboração do discurso crítico como contradiscurso encontra-se na possibilidade de realizarmos uma crítica da própria noção de objetividade, em cujo nome ideologia e ciência de digladiam. 
As passagens acima são do livro de Marilena Chaui “Cultura e Democracia – o discurso competente e outras falas”, em que a filósofa analisa que a ciência enquanto racionalidade “realiza as finalidades da ideologia muito melhor do que a velha ideologia lato sensu”. Então, se nem o próprio discurso científico passa pelo crivo da objetividade sem ideologia, que se dirá do discurso jornalístico!

Uma vez construída a ideia de que o real é racional, e que essa racionalidade consiste num conjunto de leis universais e necessárias ou de modelos fixos, torna-se possível pensar a sociedade não como constituída pela divisão originária das classes, mas apenas contendo divisões. Que divisões a sociedade conteria? A das esferas chamadas instituições sociais. A sociedade é, então, considerada como composta por uma série de subsistemas ou de subunidades, cada um deles tendo sua racionalidade própria e, portanto, sua própria objetividade, sua própria transparência, suas próprias leis. Por outro lado, o todo da sociedade funcionaria graças a uma articulação harmoniosa desses vários subsistemas ou subunidades. Cada um deles possuiria a sua harmonia e, no todo, funcionariam harmonicamente. A explicação funcionalista e a explicação estruturalista são exemplares, neste particular, dessa racionalidade como um todo composto de partes. Ora, noções, como a de burocracia, organização administrativa e planejamento da sociedade estão vinculadas a essa concepção de um todo composto de esferas dotadas de racionalidade própria e articuladas, de sorte que a maneira pela qual a sociedade é pensada resulta na maneira pela qual se admite a racionalidade de suas formas de organização institucional.

É muito bom ler esse desvendamento feito por Chaui. É uma filósofa que considero muito importante. Mas saber que objetivo é o discurso científico, enquanto o não-objetivo estaria ligado ao discurso ideológico também não resolve nossas histerias por uma sociedade melhor. Vejamos o que diz outra passagem de seu texto:
 
Cometeríamos um grande engano se imaginássemos que a um discurso ideológico “falso” se opõe um discurso ideológico “verdadeiro”, que seria o discurso ideológico lacunar depois de preenchido.  Se preenchêssemos o discurso ideológico, na realidade estaríamos produzindo um outro discurso e o contraponto se estabeleceria, então, entre o discurso ideológico e um outro discurso não-ideológico lacunar. Seria ilusório imaginar que o mero preenchimento da lacuna traz a verdade. Dessa ilusão nasceu uma velha tradição hoje reavivada entre os pensadores contemporâneos por Louis Althusser: a ilusão de que a partilha se faz entre a ideologia e a ciência, isto é, a ciência considerada como discurso pleno oposto à ideologia como discurso lacunar. Na verdade o “corte” não  passa por aí. Se quisermos ultrapassar essa ilusão precisaremos encontrar um caminho graças ao qual façamos o discurso ideológico destruir-se internamente. Isto implica ultrapassar uma atitude meramente dicotômica rumo a uma atitude teórica realmente dialética, encontrando uma via pela qual a contradição interna ao discurso ideológico o faça explodir. Evidentemente, não precisamos aguardar que a ideologia se esgote por si mesma, graças à contradição, mas trata-se de encontrar uma via pela qual a contradição ideológica se ponha em movimento e destrua a construção imaginária. Essa via é o que domino discurso crítico. Este não é um outro discurso qualquer oposto ao ideológico, mas o antidiscurso da ideologia, o seu negativo, a sua contradição.
 
Para encerrar...


[...] Com efeito, a ideologia realiza uma operação bastante precisa: ela oferece à sociedade fundada na divisão e na contradição interna uma imagem capaz de anular a existência efetivada luta, da divisão e da contradição: constrói uma imagem da sociedade como idêntica, homogênea e harmoniosa. Fornece aos sujeitos uma resposta ao desejo metafísico da identidade e ao temor metafísico da desagregação.
[...] A ideia de que o Estado representa toda a sociedade e de que todos os cidadãos estão representados nele é uma das grandes forças para legitimar a dominação dos dominados.


Nenhum comentário:

Postar um comentário