sexta-feira, 4 de março de 2016

Sociolinguística

Continuando a leitura do livro Introdução à Linguística (Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes)...

Agora chegamos ao primeiro campo teórico: Sociolinguística. Esta é a parte 1, escrita pela professora Tânia Maria Alkmin, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)/Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

No início do texto, veremos que o linguista alemão Augusto Schleicher foi uma forte influência no séc. XIX, com uma orientação biologizante. Seus ensinamentos buscavam tornar o estudo da linguagem uma ciência rigorosa, colocar a Linguística no campo das ciências naturais, afastamento de toda consideração de ordem social e cultural. Linguagem e sociedade, portanto, não assumida como determinante.

Já Ferdinand Saussure (Curso de Linguística Geral – 1916) define a língua, por oposição à fala, como objeto central da Linguística (séc. XX): da fala se ocupará a Estilística ou a Linguística Externa; a Linguística descreverá o sistema formal, a língua; sistema/língua é um fato social, uma faculdade natural que permite ao homem construir uma língua; caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico.

É a partir dos anos 30 que se começa a relacionar mais linguagem e sociedade (Antoine Meillet, Baktin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman Jakobson). Exemplo de Bakhtin (1929) que faz crítica radical à postura saussuriana de “separar” a linguística interna/externa.

A verdadeira  substância  da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação e das enunciações . A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. 

O termo Sociolinguística surge em 1964, em Congresso realizado em Los Angeles. Os trabalhos foram publicados dois anos depois com o título Sociolinguistics:  variações linguísticas, diferentes estruturas sociais e diversidade linguística.  Vejamos alguns fatores que para um dos fundadores da Sociolinguística, William Bright, estão ligados à diversidade linguística:
Identidade social do emissor ou falante – relevante, por exemplo, no estudo dos dialetos de classes sociais e das diferenças entre falas femininas e masculinas;
Identidade social do receptor ou ouvinte – relevante, por exemplo, no estudo das formas de tratamento, da babytalk (fala utilizada por adultos para se dirigirem aos bebês); O contexto social – relevante, por exemplo, no estudo das diferenças entre a forma e estilos, formal e informal, existentes na grande maioria das línguas; O julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio comportamento linguístico e sobre o dos outros, isto é, as atitudes linguísticas. 
Contexto do surgimento da Sociolinguística: como crítica ao formalismo, representado pela gramática de Chomsky, assim é que se vai definindo essa área voltada explicitamente para o tratamento do fenômeno linguístico no contexto social no interior da Linguística.

Houve atuação de linguistas e de estudiosos de campos das ciências sociais e da linguagem articulada com aspectos de ordem social e cultural. Em 1962, Hymes publica artigo e propõe o que se torna a Etnografia da Comunicação, com questionamentos sobre o comportamento adequado para mulheres/homens/crianças na comunidade  “x”. Um ano depois, Labov (EUA) sublinha o papel decisivo dos fatores sociais na explicação da variação linguística (idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude). Surgem, assim, pesquisas voltadas para as minorias linguísticas (imigrantes, porto-riquenhos, italianos...).

Objeto da sociolinguística: estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Ao estudar qualquer comunidade linguística, vê-se a existência da diversidade ou da variação (diferentes modos de falar). Variedades linguísticas = repertório verbal. Nenhuma língua se apresenta como uma unidade homogênea. Para a Sociolinguística isso não é um problema, mas uma qualidade construtiva do fenômeno linguístico.

Os falantes adquirem as variedades linguísticas próprias de sua região (variação geográfica = diatrópica) e sua classe social (variação social = diastrática) que inclui classe social, idade, sexo, situação ou contexto social. Existência de variedades de prestígio e as não prestigiadas, sendo que nas sociedades ocidentais existe a variedade “padrão” (normal culta ou língua culta). Esta não é, por excelência, a língua original, mas é resultado de uma atitude social  ante a língua. Estabelecimento do modo “correto” de falar, o que está ligado às altas classes sociais/dominantes. A padronização é historicamente definida: o que é padrão hoje pode tornar-se não padrão amanhã.

Os julgamentos são de natureza política e social (e não linguística). Não julgamos a fala, mas o falante e sua inserção na estrutura social (porta/não aceito e car/aceito!!!). E sobre as chamadas línguas “simples, inferiores, primitivas”:
Toda língua é adequada à comunidade que a utiliza, é um sistema completo que permite a um povo exprimir o mundo físico e simbólico em que vive. É absolutamente impróprio dizer que há línguas pobres em vocabulário. Não existem também sistemas gramaticais imperfeitos.

A homogeneidade linguística é um mito, que pode ter consequências graves na vida social. Pensar que a diferença linguística é um mal a ser erradicado justifica a prática da exclusão e do bloqueio  ao acesso a bens sociais.

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