terça-feira, 15 de março de 2016

As culturas híbridas em Canclini

Concluí a primeira leitura do livro Culturas Híbridas de Néstor García Canclini. Para a área de comunicação, assim como de várias outras disciplinas, este é um livro essencial. Nele se discute a modernização dos países da América Latina, tendo em vista a nossa complexidade cultura e heterogeneidade. Como são vistos aqui o que é tradicional, moderno culturalmente e o desenvolvimento socioeconômico, o quanto houve de modernização em todos esses setores. Recomendo a leitura!

Mas o que me leva a esta postagem é mais a última folha do livro, da página 372:

Assim como a fragmentação privatizada do espaço urbano permite a uma minoria reduzir seu trato com "as massas", a organização segmentada e mercantil das comunicações especializa os consumo e distancia os extratos sociais. na medida em que diminui o papel do poder público como garantia da democratização informativa, da socialização de bens científicos e artísticos de interesse coletivo, esses bens deixam de ser acessíveis para a maioria. Quando a cultura deixa de ser assunto público, privatizam-se a informação e os recursos intelectuais nos quais se apoia parcialmente a administração do poder. E se o poder deixa de ser público, ou deixa de ser disputado como algo público, pode restaurar parcialmente sua verticalidade. Ainda que o princípio da expansão tecnológica e o pensamento pós-moderno contribuam para disseminá-lo, o desenvolvimento político o concentra. Quando essas transformações de fim de século não implicam democratização política e cultural, a obliquidade que propiciam no poder urbano e tecnológico se torna, mais que dispersão pluralista, hermetismo e discriminação.
Assim, este livro não termina com uma conclusão, mas com uma conjectura. Suspeito que o pensamento sobre a democratização e a inovação caminhará nos anos 90 nesses dois trilhos que acabamos de atravessar: a reconstrução não substancialista de uma crítica social e o questionamento das pretensões do neoliberalismo tecnocrático de converter-se em dogma da modernidade. Trata-se de averiguar, nessas duas vertentes, como ser radical sem ser fundamentalista.

Fica, portanto, registrado o grande questionamento que me faço... como? " como ser radical sem ser fundamentalista."?

Néstor García Canclini é antropólogo argentino e radicado no México (ele é professor naquele país desde os anos 90). Estudou Filosofia na Argentina e concluiu seu doutorada em Paris no ano de 1978. Estão entre seus livros:
  • Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade (Edusp – 416 págs.)
  • A Globalização Imaginada (Editora Iluminuras – 223 págs.)
  • Consumidores e Cidadãos (Editora UFRJ 227 págs.)
  • Diferentes, desiguais e desconectados (Editora UFRJ 283 págs.)

Quer saber mais sobre este autor que "é considerado um dos maiores investigadores em comunicação, cultura e sociologia da América Latina; é um estudioso da globalização e das mudanças culturas na América Latina; e o foco de seu trabalho é justamente esse: a pós-modernidade e a cultura a partir do ponto de vista latino-americano" acesse a página Aulas de Comunicação.


Na página da Edusp há uma entrevista muito interessante com o professor. Em que se discute, por exemplo,  conceitos como de interculturalidade e de hibridação:

Hibridação designa um conjunto de processos de intercâmbios e mesclas de culturas, ou entre formas culturais. Pode incluir a mestiçagem – racial ou étnica –, o sincretismo religioso e outras formas de fusão de culturas, como a fusão musical. Historicamente, sempre ocorreu hibridação, na medida em que há contato entre culturas e uma toma emprestados elementos das outras. No mundo contemporâneo, o incremento de viagens, de relações entre as culturas e as indústrias audiovisuais, as migrações e outros processos fomentam o maior acesso de certas culturas aos repertórios de outras. Em muitos casos essa relação não é só de enriquecimento, ou de apropriação pacífica, mas conflitiva. Fala-se muito, nos último anos, de “choque” entre as culturas. Em todo esse contexto vemos que os processos de hibridação são uma das modalidades de interculturalidade, mas a noção de interculturalidade é mais abrangente, inclui outras relações entre as culturas, intercâmbios às vezes conflitivos. (Canclini)


Outra fala interessante de Canclini no site da Editora é:

Historicamente, as fronteiras são identificadas com os territórios étnicos ou nacionais, tomando forma de barreiras físicas, aduanas, controles de trânsito das pessoas ou produtos. No século XX, tudo isso se tornou muito mais complexo, pelo aumento da circulação de pessoas, das migrações, das viagens de turismo, pelo crescimento da circulação de produtos, que passam de uma nação a outra, e por vezes nem se sabe onde são produzidos, ou são produzidos em vários lugares e se montam em outro. Também as mensagens circulam mais livremente desde que existem satélites, computadores, Internet, e podemos passar com facilidade mensagens de uma nação a outra, de uma língua a muitas outras, tornando inúteis muitas fronteiras. O que chamamos de globalização, um conjunto complexo de processos de interdependência que supera o econômico, o tecnológico e o cultural, cria muito mais que um multiculturalismo, porque a multiculturalidade tendia a designar a coexistência de grupos diferentes em uma mesma sociedade, às vezes numa mesma cidade. Em escala internacional, vemos nas guerras atuais que a multiculturalidade não é respeitada pela invasão de uma nação por outra, que em parte implicam na derrubada de fronteiras ou na construção de outras. Como as que existem entre México e Estados Unidos, entre Israel e Palestina etc. Essa proliferação de fronteiras nas sociedades contemporâneas nem sempre é resultado de uma atitude defensiva e hostil ao estrangeiro. Implica às vezes na dificuldade de assumir a interculturalidade. Quer dizer, aceitar que a sociedade em que vivemos se modifica pela presença de outros modos de vida, outras religiões, outras línguas. (Canclini)

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